Por Jorge Jefremovas.
A capacidade mais nobre que o ser humano possui é a capacidade de pensar sobre suas ações, suas ideias, pensamentos e convicções. Como diz um filósofo: “Pensar faz bem”. Então, vamos pensar.
A ideias não estão dissociadas do corpo, das emoções e do espírito do ser pensante. Antes de mais nada, esses são os substratos, a base que vai dar o colorido para o mundo das ideias.
Para que servem as artes marciais, o Kung Fu? Esta pergunta nos leva a refletir sobre o que fazer com o ensino das artes marciais nos tempos atuais e qual a sua importância na formação do ser humano ideal.
Será que praticar artes marciais contribui para a saúde ou bem-estar dos praticantes?
O ser humano sempre esteve em conflito consigo e com os outros, seja na competição por ideais, espaço de terra, vaidade ou conquistas de bens materiais. Isso necessariamente levava a disputas e confrontos, muitas vezes sangrentos e com a perda de incontáveis vidas humanas. O propósito da arte marcial é a disputa, quem vence o outro e nesse embate existe a lesão, o dano físico. Podemos entender as artes marciais como forma de preservar a vida e/ou da elevação do ser humano a um estágio mental/espiritual superior a pessoas comuns.
Mas lembre-se de que as artes marciais não foram pensadas ou desenvolvidas com a finalidade de prevenir ou curar doenças e/ou o bem-estar físico, mental, social e espiritual.
Vide a história das grandes civilizações e como adestrava e preparava seus guerreiros para a defesa ou ataque a outros povos. Havia um rigoroso e severo treinamento para forjar o corpo e o caráter dos guerreiros. Muitos tinham como lema: “É preferível ser carregado morto sobre o escudo do que a desonra, a covardia no campo de batalha”. Então, nós temos de praticar artes marciais exigindo total entrega física e cultivar um caráter íntegro e honesto consigo mesmo e para com os outros.
Voltando à nossa indagação inicial: para que servem as artes marciais?
Definitivamente devemos entender como uma possibilidade, uma ferramenta de forjar, temperar e afiar nosso espírito, ou seja, está além do escopo do conceito saúde. Mas, no entanto, conquista-se a saúde integral com disciplina e perseverança. Sem medo de afirmar que quanto mais disciplina tenho, mais liberdade conquisto. Isto quer dizer que é preciso ter disciplina para ter liberdade e conquistar meus objetivos de vida.
Aí, já damos um pulo no entendimento para que servem as artes marciais. Completo disciplinamento do corpo (suas vontades, desejos, insatisfações, procrastinações), inimigas da realização pessoal.
Os antigos já diziam que para permanecermos saudáveis, precisamos seguir o princípio da moderação, morigeração do equilíbrio entre o comer e o beber, trabalho e descanso e nunca cometer excessos consigo mesmos.
Agora, pergunto: ao treinar artes marciais não cometemos excessos ao repetir exaustivamente e de forma mecânica centenas, milhares de vezes movimentos repetitivos e sem questionar nada, se está certo ou errado fazer isso? Imitamos gestos motores sem pensar, simplesmente por que alguém nos mostrou como fazer, repetir.
Cadê o pensar que faz bem para o bom entendimento da alma e do espírito? Cadê a reflexão saudável, o questionamento, a dúvida que traz luz e entendimento e nos torna únicos e distintos dos demais reinos animais?
O nível da imitação é o primeiro estágio do ensino, da aprendizagem e não envolve o pensamento. Quando as pessoas são estimuladas a pensar e inferir ideias do que ouvem, veem e fazem, isso envolve processos cognitivos (nível humano).
A arte marcial é uma disciplina de caráter transcendente, pois possibilita romper a estreita visão de luta e exibição de uma sequência de movimentos. Ao praticar, exercitamos nossa noção de estética e superação das condições humanas e, mais ainda, apaziguamos nossa agressividade que é um componente que pode exercer uma hetero agressividade (para fora – em direção ao outro ou coisas) e a auto agressividade (em direção a si mesmo; autodestruição) – comportamentos indesejáveis socialmente.
Então, avançamos e evoluímos nossa concepção quanto à finalidade das práticas das artes marciais e lutas de academia. Há pessoas que pelo seu estágio de evolução prefiram e se satisfazem com o combate em si mesmo, e, há outras que além do combate em si mesmo têm a questão do combate simbólico. Ambas as pessoas, estão num processo contínuo de evolução física, mental e espiritual.
Temos que, ao forjar nossa têmpera e caráter, apaziguarmos nossa agressividade que é inata, com isso, estaremos a promover a paz e ao lutarmos pela paz, ela será a ganhadora desse embate. Sejamos mestre da forma e da função marcial e, muito mais, promotores da paz, pelo exemplo. Honrar nossos pais e mestres, divulgar o bem, o belo e o verdadeiro: eis o grande mérito do praticante de Kung Fu!
